Resenhas 19/05/2020

O Marketing pelos livros de Philip Kotler

É possível um autor permanecer atual e relevante por mais de cinco décadas, especialmente em uma área tão dinâmica como o marketing e a gestão de empresas?

Para o mundo do marketing, falar em Philip Kotler em 2020 é um tanto quanto controverso. O autor é alvo da desconfiança de alguns profissionais e pesquisadores da área, o que, de certo modo, é compreensível.

Kotler (prestes a completar 89 anos de idade no momento em que esse post é escrito) é professor de marketing desde 1962 na Kellogg School of Management na Universidade Northwestern e seu principal livro, Administração de Marketing, teve sua primeira edição publicada em 1967.

A desconfiança pode ser compreensível quando se olha apenas para essas datas, que remontam a longínquas cinco décadas atrás, especialmente em uma área tão dinâmica quanto o marketing e a gestão de empresas. Seria possível, nesta área, um autor permanecer atual e relevante por tanto tempo? 

Para alguns profissionais e estudiosos do marketing, a atividade mudou tanto nessas últimas décadas, especialmente devido ao surgimento das mídias digitais, que as abordagens propostas por Philip Kotler teriam se tornado ultrapassadas.

O fato é que a contribuição do autor para a área é inquestionável. Ele é considerado um dos maiores especialistas em marketing de todos os tempos e uma das personalidades mais influentes no mundo dos negócios. Seus livros, artigos, palestras, conferências e consultorias, foram fundamentais para a disseminação dos conceitos e da prática do marketing por empresas de todo o planeta.

Eventualmente ele é chamado de "o papa do marketing" ou "o pai do marketing", e seu livro Administração de Marketing, é chamado de "a bíblia do marketing".

Nesse post vamos analisar alguns de seus livros mais importantes buscando compreender qual é, de fato, sua contribuição e sua importância para o concepção e a prática do marketing. Com isso, talvez, seja possível avaliar se a desconfiança sobre seu nome é ou não justificada.

Quem é Philip Kotler?

Kotler é filho de ucranianos que emigraram para os Estados Unidos e nasceu em Chicago, em 27 de maio de 1931. 

Estudou na Universidade DePaul até ser aceito, ainda sem um diploma de bacharelado, pelo programa de mestrado em economia da Universidade de Chicago. Concluiu também o PhD em economia pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT).

Atua como professor de marketing desde 1962 na Kellogg School of Management na Universidade Northwestern.

Além de professor e palestrante, tem uma longa experiência como consultor empresarial nas áreas de marketing e planejamento estratégico, tendo atuado em grandes empresas como IBM, Michelin, Bank of America, General Electric e Motorola.

Vamos, então, começar o passeio por seus principais livros.

Administração de marketing

Em 1967, em parceria com o também professor de marketing Kevin Lane Keller, Kotler publicou a primeira edição do livro Administração de Marketing: análise, planejamento e controle.

Este se tornou, sem dúvida, o livro mais adotado por programas de graduação e pós-graduação em marketing em todo o mundo. É um verdadeiro guia de referência para profissionais e estudiosos da área há mais de cinco décadas.

Mas, concretamente, quais são as contribuições deste livro para a compreensão e a prática do marketing?

É difícil estabelecer exatamente quando a atividade de marketing surgiu e começou a ser praticada pelas empresas, mas a versão mais aceita é que isso tenha ocorrido com a explosão econômica dos Estados Unidos após a Segunda Guerra Mundial, a partir do final dos anos 1940.

Ainda naquela década, professores e gestores como James Culliton e Neil Borden, da Harvard Business School, começaram a tratar do assunto e a discutirem quais seriam as funções ou as atividades (que eles chamavam de ingredientes) que fariam parte da gestão de marketing.

Até a década de 1960 tudo isso ainda era novidade e as discussões se davam a partir de algumas poucas experiências e observações empíricas. A atividade ainda não tinha recebido a atenção necessária no que diz respeito à sistematização metodológica e aprofundamento acadêmico.

O que Kotler e Keller fizeram em 1967 foi reunir tudo o que se sabia sobre marketing e organizar esse conhecimento de modo sistemático, propondo de fato uma metodologia para o planejamento e a implementação do marketing pelas empresas.

E aqui vem um fato curioso a respeito do livro… Para fazer essa sistematização, eles partiram de uma proposta que ficou conhecida como os 4 Ps do marketing. Segundo ela, os ingredientes do marketing poderiam ser agrupados em quatro conjuntos e cada um foi batizado com uma palavra em inglês começando com a letra P: Product (produto), Price (preço), Place (praça) e Promotion (promoção).

O livro de Kotler e Keller praticamente segue esse roteiro do começo ao fim, dedicando alguns capítulos cara cada um dos quatro pês. Basicamente é assim que o marketing é ensinado na grande maioria dos cursos e é assim que ele é conhecido pela grande maioria dos profissionais da área desde então. Ao ponto de muitos atribuírem a ideia dos 4 Ps para o próprio Kotler.

O fato curioso é que quem criou esse modelo não foi Kotler, mas sim outro professor, chamado Edmund Jerome McCarthy, da Universidade Estadual de Michigan. Os 4 Ps apareceram originalmente em um livro de McCarthy chamado Marketing básico: uma visão gerencial, publicado em 1960.

Mas os 4 Ps nem de longe são a principal contribuição do livro Administração de Marketing. Ao longo das recorrentes edições do livro (no Brasil já estamos na 15ª edição) Kotler e Keller desenvolveram também outras importantes abordagens sobre o marketing.

Uma dessas abordagens é o de "empresas orientadas pelo marketing". Pautados por estudos de caso, a obra acompanha, ao longo de suas edições, o amadurecimento da atividade, mostrando como ela se tornou cada vez mais decisiva e central no planejamento das empresas.

Isso nos leva a outro fato curioso do livro, que nos mostra como Philip Kotler se mantém atualizado e absolutamente relevante para os dias de hoje. As edições mais recentes do livro começam com um alerta dos autores para a necessidade de atualização dos 4 Ps.

Para eles no Século XXI as variáveis produto, preço, praça e promoção não representam mais toda a complexidade do marketing. Com as "empresas orientadas pelo marketing" a atividade ganha importância e assume novos papéis. Eles sugerem que os novos 4 Ps deveriam ser: Pessoas, Processos, Programas e Performance. Um novo modelo, super atual, que o mercado ainda precisa digerir.

O livro também desenvolve a tese de que, ao contribuir para o lucro das empresas, o marketing também contribui com a satisfação do consumidor e, como consequência, com o bem estar geral da sociedade. 

O que nos leva ao segundo livro desta análise:

Capitalismo em confronto

Nessa obra de 2015, publicada quando o autor já tinha mais de 80 anos de idade, o economista Philip Kotler propõe uma análise bastante madura sobre os problemas do capitalismo e como eles poderiam ser resolvidos a partir da união de iniciativas públicas e privadas.

No livro Capitalismo em confronto ele toca em 14 deficiências relacionadas a esse sistema econômico que merecem mais atenção. Para ele o capitalismo:

  1. Propõe poucas soluções, ou praticamente nenhuma, para a pobreza persistente;
  2. Gera crescente nível de desigualdade de renda e riqueza;
  3. Deixa de pagar um salário digno a bilhões de trabalhadores;
  4. Poderá não proporcionar quantidade suficiente de empregos humanos, em face da crescente automatização;
  5. Não cobra das empresas os custos sociais totais de suas atividades;
  6. Explora o meio ambiente e seus recursos naturais na ausência de regulamentação;
  7. Cria ciclos econômicos e instabilidade na economia;
  8. Enfatiza o individualismo e autointeresse à custa da comunidade e do povo;
  9. Estimula o débito elevado do consumidor e conduz a uma economia cada vez mais impulsionada pelas finanças do que pelos produtos;
  10. Permite que os políticos e os interesses comerciais colaborem para subverter os interesses econômicos da maioria dos cidadãos;
  11. Favorece o planejamento de lucros no curto prazo em detrimento do planejamento de investimentos no longo prazo;
  12. Deveria ter regulamentações relacionadas à qualidade dos produtos, à segurança, à veracidade da propaganda e ao comportamento anticompetitivo;
  13. Tende a se concentrar estritamente no crescimento do PIB; e
  14. Deve incluir os valores sociais e a felicidade na equação de mercado.

São 14 reflexões críticas e absolutamente atuais sobre o sistema econômico capitalista, que é o solo no qual o marketing floresce.

Essa atualidade do pensamento do autor, ligada a aspectos sociais do marketing, também pode ser percebida em outras duas de suas obras mais recentes. 

Marketing 3.0, Marketing 4.0 e Marketing 5.0

Em parceria com os indonésios Hermawan Kartajaya e Iwan Setiawan, Philip Kotler vem lançando alguns livros, pequenos quando comparados a outras obras do autor, mas extremamente relevantes e atuais.

Em Marketing 3.0 (2010), Marketing 4.0 (2017) e Marketing 5.0 (2021) os três autores traçam uma perspectiva histórica da evolução do marketing, dividindo-a em cinco momentos. 

Segundo eles o marketing 1.0 representa as primeiras décadas do desenvolvimento da atividade, quando seu foco era o produto. As empresas se esforçavam para terem o melhor e convencer os consumidores e comprá-los.

Com o passar do tempo, o desenvolvimento dos mercados e dos meios de comunicação de massa, os consumidores se tornaram mais exigentes. Assim, por volta de meados da década de 1980 (embora os autores não estabeleçam as datas com precisão), surge o marketing 2.0 em que o foco é o consumidor. As empresas passaram a se esforçar para adequar seus produtos ao perfil do consumidor.

Aqui vale ressaltar que não existem livros sobre o marketing 1.0 e 2.0. Esses dois primeiros momento são mencionados no livro Marketing 3.0.

A popularização da web e a chegada das mídias digitais na década de 1990 leva os consumidores se tornam ainda mais críticos, informados e exigentes sobre a atuação das empresas. Eles passam a levar em conta seus valores mais íntimos ao escolherem o que consumir. Se uma empresa não tem responsabilidade social e agride o meio ambiente, ela passa a ter dificuldades de aceitação por um grupo cada vez maior de consumidores preocupados com essas questões. Esse é o marketing 3.0, que é orientado para o ser humano e seus valores pessoais.

Por volta da década de 2010, com a popularização das redes sociais na internet, passamos a ter um consumidor que vive uma parte cada vez mais importante da sua vida, inclusive no que diz respeito às relações sociais e às decisões de consumo, nos meios virtuais. Surge, então, o marketing 4.0 em que o foco é o comportamento dos consumidores influenciado pelos meios digitais.

O livro Marketing 4.0 traz uma proposta metodológica que os autores chamam de 5 As: Assimilação, Atenção, Arguição, Ação e Apologia, que fundamentalmente é a base de como o marketing digital e o inbound marketing são praticados atualmente.

No livro mais recente, Marketing 5.0, os autores tratam de uma relação mais profunda entre o homem e a tecnologia. Para eles o marketing 5.0 tem como foco as tecnologias à serviço do homem.

Lançado em 2021, o livro aborda temas como:

  • Inteligência Artificial para automação de marketing
  • Marketing ágil
  • Marketing de “segmentos de um”
  • Tecnologia contextual
  • Reconhecimento facial e tecnologia de voz para o marketing
  • O futuro da Experiência do Cliente (CX)
  • Storytelling e transmídia
  • A entrega de serviço “qualquer coisa - sempre - em qualquer lugar”
  • Modelo de negócios “Everything-as-A-Service” 
  • Internet das coisas e blockchain para o marketing
  • Marketing de realidade virtual e aumentada
  • Ativismo corporativo 

Ou seja, aquilo que há de mais moderno e atual na prática do marketing também se beneficia do pensamento do autor.

 

A partir desse passeio pelas obras mais marcantes do autor é possível perceber como Philip Kotler continua atual e relevante, mesmo depois de mais de 50 anos desde suas primeiras publicações na área.


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